Docência na era da inteligência artificial: diálogos com a educação

                               

Não use velhos mapas para descobrir novas terras. 

Gil Giardelli

Na era da informação e do avanço tecnológico sem precedentes, a integração da Inteligência Artificial (IA) na educação emergiu como um tema de crescente relevância e debate. Mas afinal, o que entendemos por tecnologia? Será que ela se limita apenas a máquinas, computadores e internet? 

Tecnologia refere-se ao conjunto de conhecimentos, técnicas, habilidades e processos utilizados na produção de bens ou serviços, assim como na resolução de problemas práticos. Basicamente, tudo aquilo que é criado, inventado e construído pode ser considerado tecnologia.

Estivemos recentemente em São Paulo, em um encontro de líderes educacionais, que atuam da Educação Infantil ao Ensino Superior, e todas as discussões na qual participamos tocavam no mesmo ponto – o futuro já chegou. Inteligência artificial e saúde emocional foram os tópicos que mais se sobressaíram no encontro.

Fomos incentivadas a pensar nas ferramentas que já fazem parte do nosso cotidiano e em outras que já coexistem em outros lugares do mundo, para visualizarmos e colocarmos em prática as habilidades necessárias para o futuro. 

A escola do presente não pode ser a escola do passado. As crianças hoje têm muito mais recursos para aprender do que uma década atrás e pesquisas vêm mostrando que mesmo com tanta facilidade de acesso a informações, os filhos têm tido QI menores que de seus pais. 

Michel Desmurget em seu livro “A fábrica de cretinos digitais” abre uma discussão séria e necessária ao confirmar que nenhum grupo humano na história abriu uma fissura tão grande entre suas condições materiais e suas conquistas intelectuais. O consumo do tempo perante as telas cresce exponencialmente ao longo dos últimos anos, mesmo que tenhamos a consciência de que as telas privam as crianças de um certo número de estímulos e experiências essenciais para seu desenvolvimento.

Uma coisa é saber assistir passivamente o conteúdo das redes sociais, abrir aplicativos e usá-los de forma corriqueira. O uso recreativo das telas aprende-se em qualquer idade e situação. A forma plug e play facilita o uso e a manipulação sem esforço ou aptidões particulares. Não há nenhuma genialidade quando uma criança consegue abrir uma página ou vídeo na internet. Ou escolher os filmes que quer assistir na televisão. 

O ponto a ser destacado é: em que momento as crianças e adolescentes estão aprendendo a pensar, refletir, manter a concentração, fazer esforço,  dominar a língua além de suas bases rudimentares, hierarquizar fluxos de informações produzidos pelo mundo digital e interagir com outras pessoas.

O genial  é fazer uso da rede de forma a produzir conteúdo, questionar o que está recebendo, realizar inferências e conexões. 

Antes de negarmos algo que já faz parte da nossa vida – todas as vezes que ligamos a televisão e escolhemos algum streaming, as escolhas já foram realizadas por uma inteligência artificial baseada em nossos padrões de procura e escolha, temos que olhar para a Inteligência Artificial e aprender a utilizá-la como uma tecnologia – a de nos servir. 

Como educadores, temos sim que alertar as famílias para o uso emburrecedor das telas de modo recreativo, e repensar o currículo e a forma como a escola lida e inspira o saber e o conhecer. 

A partir dos últimos dados da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) as empresas que já usam Inteligência Artificial no Brasil buscam profissionais que saibam usar o computador, smartphones, que tenham capacidade de criar, de se comunicar, que entendam o que é conhecimento , machine learning e que saibam interagir com aplicações da IA. A concentração de talentos de IA no Brasil prevista para 2021 era de 0,0 ou 0,2 – sem erros de digitação. Somos um país que ainda não chegou no futuro. 

Recentemente, a Base Nacional Comum Curricular insere o ensino da computação a partir da IA no currículo do Ensino Médio. O documento orienta sobre as competências necessárias a serem trabalhadas na escola, a partir deste segmento: compreensão do que são sensores, como reconhecê-los, identificá-los e de como funcionam; compreensão como as máquina usam representações para raciocinar; compreender que a IA funciona a partir de grande volume de dados, identificando uso e restrições; reconhecer que IA requer muito conhecimento para gerar uma interação natural com seres humanos; entender que a IA tem um impacto na sociedade distinguindo seu uso ético e responsável. A Unesco já fala, desde 2022, em letramento em IA, contemplando o letramento em algoritmos e o letramento em dados. O pensar com a IA e sobre a IA.

O que isto tem a ver com o currículo e o trabalho da Infanzia? 

Baseadas na ciência – dos estudos e pesquisas recentes -, sabemos que os pequenos precisam, para crescerem bem, de generosidade e gestos humanos. As crianças precisam de palavras, carinhos, encorajamento. Precisam experimentar, mobilizar seu corpo, correr, pular, tocar, brincar, manipular formas ricas. Ler imagens, manipular livros, identificar a diversidade, realizar boas perguntas, aprender a pesquisar. Precisam observar o mundo à sua volta e interagir com outras crianças. 

Somos uma escola sem telas para as crianças menores, em que os espaços e nossas sessões de trabalho oferecem a possibilidade de explorar o mundo, criar, narrar, imaginar, agir, investigar, ler e interagir com o outro de forma saudável e potente. 

Incluímos em nosso currículo do Fundamental a disciplina Ciência e Tecnologia, para enriquecer as pesquisas e formas de pensar e conhecer o mundo, visando as competências do futuro.  

O mundo e nós estamos aprendendo a conviver com a IA. De forma ética e proveitosa. Estamos navegando por um território novo e complexo, mas com conscientização e educação, podemos trabalhar para moldar um futuro em que a IA beneficie a todos.