Quantas horas diárias uma criança que vive em áreas urbanas passa ao ar livre? É fato que crianças e jovens, por diferentes razões, passam cada vez menos tempo em ambientes naturais, e isso tem tido consequências significativas no desenvolvimento cognitivo, social e psíquico de uma geração.
Recentemente, os estudantes brasileiros foram avaliados abaixo da média global em relação ao pensamento criativo (18/06/2024, O Globo). Os resultados, divulgados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), colocaram o Brasil na posição 44 entre os 64 países que participaram da avaliação. Pela primeira vez, uma das mais importantes avaliações internacionais da educação procurou medir a criatividade de estudantes de 15 anos na solução de problemas sociais e científicos. E o resultado foi preocupante: o Brasil foi reprovado em pensamento criativo, uma habilidade fundamental para encontrar novas soluções para velhos problemas, inovar e fazer diferente.
Qual a relação entre esse dado e o contato com ambientes naturais? O convívio com a natureza na infância, especialmente através do brincar livre, ajuda a fomentar a criatividade, a iniciativa, a autoconfiança, a capacidade de escolha, de tomar decisões e resolver problemas.
O uso excessivo de telas é um problema crescente no Brasil. Segundo uma pesquisa recente, os brasileiros passam, em média, nove horas por dia no celular ou computador, e o país está entre os que mais aumentaram a quantidade de crianças menores de seis anos com acesso irrestrito à internet. A questão não é apenas limitar o uso das telas, mas também oferecer alternativas criativas para que as crianças explorem o mundo real, aprendam com a natureza, criem laços significativos, usem a imaginação e aproveitem essa etapa crucial da vida de forma qualitativa.
O que aprendem ao estarem em ambientes naturais? A primeira coisa que a criança aprende ao estar na natureza é aprender a cuidar de si e a cuidar do meio que a circunda.
O tempo passado ao ar livre permite que as crianças se envolvam em atividades físicas, como correr, pular e escalar, o que é essencial para o desenvolvimento motor e a saúde física. A exposição à luz solar é importante para a síntese de vitamina D, que fortalece os ossos e o sistema imunológico. Além disso, brincar na natureza incentiva o desenvolvimento de habilidades como equilíbrio e coordenação. Comparativamente, o uso excessivo de telas pode levar a um estilo de vida sedentário, aumentando o risco de obesidade e outros problemas de saúde relacionados à falta de atividade física.
A natureza também oferece um ambiente relaxante que pode ajudar a reduzir o estresse e a ansiedade em crianças pequenas. Estar ao ar livre em espaços verdes tem sido associado a níveis mais baixos de cortisol, o hormônio do estresse, promovendo um estado de calma e bem-estar.
A interação com a natureza pode também melhorar o humor e a autoestima, proporcionando um senso de liberdade e autonomia. Em contraste, o uso excessivo de telas pode causar sobrecarga sensorial e emocional, resultando em irritabilidade e dificuldades para dormir, afetando negativamente a saúde mental das crianças.
O ambiente natural é rico em estímulos que promovem a curiosidade e a exploração. Este tipo de interação pode estimular o desenvolvimento cognitivo ao encorajar as crianças a observar, questionar e experimentar. A natureza oferece oportunidades únicas para a aprendizagem prática, onde as crianças podem ver e entender conceitos científicos de maneira tangível, como o ciclo da vida das plantas ou o comportamento dos animais. Em oposição, o uso prolongado de telas pode limitar a capacidade de atenção e prejudicar o desenvolvimento de habilidades cognitivas essenciais, como a resolução de problemas e o pensamento crítico.
As atividades ao ar livre muitas vezes envolvem brincadeiras cooperativas, onde as crianças aprendem a trabalhar em grupo, compartilhar e resolver conflitos. Esses momentos são cruciais para o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais, como empatia e comunicação. A natureza proporciona um cenário ideal para essas interações, onde as crianças podem se conectar umas com as outras em um ambiente não estruturado e criativo. Já as telas podem levar ao isolamento social, reduzindo as oportunidades para a interação face a face e o desenvolvimento de habilidades sociais.
Expor as crianças à natureza desde cedo também é fundamental para fomentar uma consciência ambiental.
Ao desenvolver uma ligação emocional com o meio ambiente, as crianças são mais propensas a valorizar e cuidar do planeta à medida que crescem. Essa conexão pode inspirar comportamentos sustentáveis e um senso de responsabilidade ecológica.
Reduzir o tempo de tela e incentivar o contato frequente com a natureza é crucial para promover um desenvolvimento infantil equilibrado e saudável. Limitar o uso de dispositivos eletrônicos pode ser desafiador, mas é essencial e urgente para o bem-estar das crianças. Estabelecer horários específicos para o uso de telas e promover atividades ao ar livre como caminhadas, jogos e jardinagem são passos importantes. Proporcionar às crianças experiências diretas e significativas com a natureza pode não apenas substituir o tempo de tela, mas também enriquecer suas vidas de maneiras que as telas nunca poderiam.
Karla Righetto
Doutora em Educação
Diretora Pedagógica da Infanzia