A importância de saber não fazer nada em uma sociedade que cada vez mais exige que façamos tudo. O tempo todo.
Nestes dias de recesso, reli um livro de literatura infantil que me provocou algumas reflexões sobre o ócio em nossas vidas.
O livro “Nada de Presente” (Editora Girafinha) conta a história de dois amigos: o cachorro Earl e o gato Mooch. Mooch quer dar algo de aniversário para Earl. Em sua busca, e após muito pensar, resolve dar o “nada” para o seu melhor amigo. Mas o gato tem um desafio pela frente: em um mundo com tantas coisas, onde ele encontraria o nada? E Mooch começa a observar o que as pessoas dizem sobre o tal “nada”. Percebeu que o seu dono sempre liga a TV e reclama: “não tem nada passando na TV”. Mas quando vai procurar, encontra muita coisa. Notou que a sua dona chega em casa e diz: “nada no shopping”. Mas quando vai até lá, encontra muitas e muitas coisas. E assim, em sua jornada em busca do nada, o gato Mooch esbarra em tudo!
A partir desse enredo, o autor Patrick Macdonnel faz uma reflexão sobre a carga de estímulos e informações que recebemos a todo instante, o que faz com que o “nada” seja um verdadeiro artigo de luxo. Pode ser um momento de silêncio, a tranquilidade, uma tarde livre de obrigações, uma noite estrelada, um pôr do sol, a calma de poder deixar o “tudo” para amanhã, a companhia do melhor amigo. Coisas difíceis de conseguir na sociedade que sempre está fazendo algo.
E como esta forma de viver sem o nada tem afetado as crianças? Quais comportamentos têm sido estimulados e aprendidos desde pequenos? No documentário “O Começo da Vida” (que sempre indicamos em nossas reuniões pedagógicas), o “nada” aparece como elemento principal de um desenvolvimento integral e de qualidade.
Por mais paradoxal que possa parecer, o “nada” é muita coisa. É o ócio, o tempo livre, o vazio, o silêncio. É o brincar, construir, explorar, investigar, tatear, saborear, descobrir por si.
Domenico di Masi, sociólogo italiano, precursor do conceito do ócio criativo, acreditava que a sociedade, em uma busca incessante por produtividade, esquece de valorizar os momentos de pausa e reflexão. Para ele, o tempo não deveria ser apenas medido em termos de eficiência, mas também em termos de qualidade e profundidade de experiências. Seu legado nos convida a repensar como vivemos e como educamos nossas crianças, valorizando o ócio como uma forma de enriquecimento humano.
A psicóloga britânica Sandi Mann, autora do livro “The Science of Boredom” (“A ciência do tédio”, em uma tradução livre), explica que o tédio é uma busca de estímulo do cérebro, quando ele não está satisfeito com alguma atividade ou com a falta de atividade. O tédio nos ajuda a ser criativos e estimula a imaginação. Na verdade, não é o tédio em si que leva os créditos e sim o que nós fazemos em resposta ao tédio.
Quando escutamos a criança dizer que não tem nada para fazer, ou até mesmo antes da reclamação, nós, adultos, sentimo-nos culpados e oferecemos inúmeros estímulos para ela. Como afirma a neuropsicóloga Deborah Moss, “a criança não precisa de atenção o tempo todo. Ela também precisa estar conectada com ela mesma, precisa desses momentos em que ela vai aprendendo, aos poucos, a ser uma boa companhia para si mesma”.
As telas não devem ser a resposta. As telas substituem outras experiências e são a resposta rápida a qualquer expressão do tédio, o que acaba impedindo a criança de vivenciar o ambiente e de ter outras experiências e percepções. Ao abusar do recurso das telas, as crianças também perdem outra habilidade importante: a de esperar.
O ócio é algo espontâneo, flui. É quando você não tem nada para fazer, se depara com o vazio e instintivamente procura formas criativas de preencher e de se conectar com o momento presente.
Deborah Moss, neuropsicóloga
Nestas férias, permita-se o nada! E perceberá que tens tudo!
Por Karla Righetto
Diretora Pedagógica da Escola Infanzia